[GLOSSÁRIO] E de Estádio de Futebol

ESTÁDIO DE FUTEBOL

Por Luiz Carlos Marinho Junior *


A coisa mais importante das menos importantes.

Confesso que o momento pelo qual meu time passa atualmente pode afetar meu julgamento sobre o que estou prestes a escrever, mas sinceramente, em 2013 meu time se sagrou tricampeão do campeonato Brasileiro, estava eu no ápice da minha felicidade com meu time, eu ainda nem havia entrado na faculdade, era um alienado, e já nesse período, eu me revoltava com o que o fizeram com o Mineirão, o que fizeram com BH. Não entendia bem o que tinha ocorrido, mas sabia que algo não estava certo.  

Lembro na época de criança como era ir ao Mineirão assistir uma partida de futebol, primeiro passo era o seguinte, meu pai tinha que convencer minha mãe de que iria levar meu irmão e eu, convenhamos que antes da reforma para a Copa, os estádios de futebol eram vistos como um ambiente hostil, violento, sujo, desconfortável, ora, peguei a época que nem cadeira tinha, a gente sentava em concreto puro, totalmente compreensível minha mãe se preocupar, porém a realidade não era bem assim.

Íamos de carro, não era tão difícil parar próximo ao estádio, ao chegar encontrávamos com meus tios e já ficávamos próximos ao portão que íamos entrar, como a bilheteria ficava ao lado, o ingresso era comprado na hora, e lá mesmo já lanchávamos, meu pai e meus tios bebiam sua cerveja, pois ao redor dos portões de entrada havia varias barraquinhas que vendia a breja, o churrasquinho, o podrão, o macarrão na chapa, tudo ao nosso alcance, tudo tão perto, que deixávamos pra entrar 5 minutos antes da partida começar.


Para alguém que não frequentou o Mineirão nessa época, parece até um conto de um passado distópico. Ao ver fotos de antes da Copa, algumas pessoas podem se questionar sobre a veracidade do que esta diante de seus olhos, um ambiente com mais de 100 mil pessoas amontoadas para assistir uma partida de futebol. Obviamente não estou dizendo que todos os jogos eram lotação máxima, mas nos jogos mais importantes, eram no mínimo 80 mil pessoas tornando seus gritos num som uníssono. 

Saudosismo pode ser perigoso para racionalizar ideias, logo não vou dizer que o que temos hoje é de todo ruim, o estádio de futebol passou a ser um ambiente mais confortável, organizado, banheiros mais acessíveis, um local mais limpo. Houve uma mudança da atmosfera do estádio de futebol, o estigma de ambiente hostil e violento praticamente não existe. Hoje, minha mãe se preocupa muito menos do que naquela, ao ponto de ter deixado minha irmã mais nova ir sem familiares, coisa que era inconcebível quando eu tinha sua idade. Não atoa é possível observar um número maior de mulheres frequentando o Mineirão. Mas isso tudo ao custo de que?



A partir desse momento encontraremos algumas verdades que pode ser inconvenientes. Se você é uma pessoa que gosta de futebol, acompanha algum time, provavelmente já escutou ou leu as seguintes frases: “mas é só um jogo”, “mas é só onze pessoas atrás de uma bola”. Eu tenho pra mim que tudo é passível de crítica, e críticas construtivas moldam melhorias no âmbito ideológico, melhorias que podem eventualmente criar um bem estar social. Entretanto, esse tipo de frase é puro suco de senso comum, é crítica pela crítica, são frase que provam o total desconhecimento sobre a importância do futebol. 

Frases assim surgem por uma ideia difundida há muito tempo, de que a certas coisas que não se discutem, exemplo disso é a famosa frase: “Há três coisas que não se discutem, Futebol, Politica e Religião”. As consequências desse “dito popular” podem ser observadas facilmente hoje, aqui nesse nosso país tropical, governado por um fascista, genocida, corrupto, que usa diversas camisas de times de futebol para aparecer na mídia, que trouxe uma competição continental de futebol, no meio de uma pandemia, para o país onde tem atualmente o maior número de mortes diárias por Covid-19, e pra completar tem apoio das igrejas evangélicas, católicas e surpreendentemente das judaicas (o cara é literalmente um nazista), e usa o lema: “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”. 

É muito confortável dizer que não há relação, que isso não se deve discutir, ironicamente, não conseguirei aprofundar como eu gostaria, para não alongar tanto nesse texto, mas deixo aqui claro, a importância de se discutir esse tema, e farei até onde tenho capacidade, deixo para vocês uma semente para que possam continuar a regar essa ideia de aprofundamento desses temas.

O futebol no Brasil foi trazido por burguês, foi apropriado pelas massas, utilizado por políticos como uma forma de Pão e Circo do século XX e XXI, e hoje serve ao neoliberalismo, a grande mão invisível do mercado que é manipulado pela democracia burguesa imperial.

Futebol tem passado por uma modernização ao longo dessas últimas décadas, e o megaevento da Copa do Mundo tem sido o propagador dessa modernização. Por onde passa leva consigo suas diretrizes de Arenas Padrão FIFA, promove alterações urbanas em prol do mercado imobiliário, grandes casos de corrupção, estopim para derrubar governos, mortes, e aos poucos tem acabado com a paixão pelo futebol.

2002, ano da primeira Copa do Mundo do Século XXI, FIFA decidiu como sede Japão e a Coreia do Sul, primeira Copa disputado em solo asiático, ali os Governos queriam mostrar o que tinham de mais moderno tecnologicamente na construção e preservação dos estádios, dois países onde o futebol ainda hoje, ainda luta para ser popular. Nos anos 70/80 foi criada uma enorme campanha de popularização do futebol, com a contratação de super estrelas do futebol, como Zico, que foi jogador e treinador no Japão, e até a criação de um anime chamado Captain Tsubasa. Essa Copa estabeleceu novos paramentos para realização desse megaevento.

2006, a FIFA enfrentou dificuldades para realizar a Copa na Alemanha, o governo Alemão dificilmente cedia as pressões do comitê realizador da Copa. Os estádios na Alemanha possuem setores “populares”, onde se encontrar as torcidas organizadas, e era uma exigência que esses setores não possuíssem cadeiras, foi uma batalha, até que os alemães cederam, entretanto, ao fim da Copa, as cadeiras foram retiradas desse setor. O que seria da Muralha Amarela do Signal Iduna Park hoje, se as cadeiras não fossem retiradas? Provavelmente mais um setor morno, vide, os estádios frios ingleses.



Coincidentemente, obviamente que não foi coincidência, as futuras sedes da Copa do Mundo foram em países com históricos peculiares, como o de corrupção e de leis trabalhistas mais frouxas. Aceitavam facilmente as demandas exigidas pela FIFA, e como consequência hoje na África do Sul, onde foi realizada a Copa de 2010, temos estádios largados as traças, pois não há verba para sustentar, na Rússia, Copa de 2010, houve grandes atrasos na construção por conta de denuncias de irregulares financeiras e trabalhistas, e na próxima Copa de 2022 no Qatar, há diversas denúncias sobre trabalho escravo, mortes de funcionários nas obras e até de corrupção dentro da FIFA para que essa fosse a sede escolhida.

Agora podemos voltar ao Brasil, sede da Copa do Mundo de 2014, onde o estádio de futebol se tornou Arena padrão FIFA. Para isso, tivemos obras superfaturadas, construção de elefantes brancos, despejo de famílias inteiras em prol do mercado imobiliário, mudança das rotas rodoviárias para implementação do BRT, para assim atender as áreas hoteleiras criando uma rota rápida entre Hotéis e o Mineirão, e obras de “melhoramento” urbano que em algumas sedes ainda não foram concluídas.

Um governo que utilizou de politicas de conciliação de classes, abriu mão de pautas progressistas para a realização desse evento. Com ajuda da mídia viu um aumento insatisfação da população, que ao iniciar uma manifestação contra o aumento da passagem, eclodiu nas jornadas de junho. Movimentos que possuíam diversas reivindicações populares, que chegou ao ponto de ameaçar a realização da Copa do Mundo. Ao tentar reverter a situação, já era tarde, e como terminou, já sabemos.

Isso tudo resultou no que o Mineirão é hoje, uma Arena moderna, confortável, limpa. A ideia de ser um lugar violento e hostil já não existe, mas agora ele comporta metade do público que comportava, ao seu arredor, não há mais as barraquinhas perto dos portões, há uma esplanada cinza e fria. Há um barzinho próximo de um dos portões, onde uma breja custa o mesmo preço de um engradado. O ingresso, está longe da realidade do que um torcedor médio pode pagar por partida.


Logo observamos um esvaziamento na Arena após as reformas, o público foi se afastando desse ambiente. Os torcedores acham os ingressos caros para a mercadoria ao dispor: Futebol medíocre praticado pelos clubes atualmente. O custo para ir a Arena não compensa, melhor ver no conforto de casa, do que no “conforto” da Arena moderna e superfaturada.

Os clubes não conseguiram acompanhar essa modernização acelerada, estão cada vez mais endividados tentando acompanhar o mercado mundial do futebol. Mercado esse que usa o Brasil, e a América do Sul, como produtor de mão de obra barata. Um jogador medíocre na Inglaterra, recebe mais do que um jogador acima da média no Brasil, logo, as jovens promessas não demoram sair daqui para jogar na Europa, e saem por preço baixíssimo. Enquanto uma revelação medíocre europeia é superfaturada. 

Assim as promessas vão saindo, e os veteranos vem voltando pra encerrar a carreira após terem “feito” a vida fora do Brasil. O que torna o Futebol Brasileiro carente de ídolos, carente de identificação, mas além de tudo, carente de qualidade, os “medalhões” jogam pra conseguir seu ultimo pé de meia, já estão velhos e lentos, fisicamente não valem o preço, mesmo que ainda tenham técnica, não compensa o valor pago. Já os mais novos, que ainda não saíram pro Exterior, e nem devem sair, possuem futebol de qualidade técnica baixa, até por que, se fossem medíocres, não estariam no Brasil ainda, já teriam saído. Logo, fica as partidas possuem lapsos de qualidade, e o que nos restas e comemorar vitórias sofridas de assistir.

Isso sem contar os casos de corrupção dentro dos Clubes, que dificultam ainda mais a administração financeira. Exemplo, o time no qual torço, que não deve ser surpresa para vocês a essa altura do campeonato. Uma diretoria suja, que simplesmente destratou do próprio estatuto do clube em benefício próprio. Além de não pagar as dívidas, às triplicaram, colocando o clube numa situação praticamente irreversível financeiramente. Hoje ele se encontra na Série B, sem perspectivas de subir para Série A, e sinceramente, sem perspectivas de continuar existindo.

O discurso de não discutir política, futebol e religião, beneficia todas essas práticas que encontramos nesse pequeno texto, e nos trouxeram ao que estamos vivendo hoje na política, no futebol e na religião. Quem está no poder, ainda se beneficia disso, e ainda hoje é uma ideia bem difundida. Trouxe esses fatos para que possam servir de exemplo de como precisamos quebrar esses tabus. O Futebol tem uma importância enorme politicamente e economicamente falando, eles não são fatores que acontecem separadamente, e vocês viram isso no decorrer do que foi apresentado.

Lembrado, isso aqui é só a ponta do iceberg, abaixo do nível do mar há muita coisa escondida, e elas só podem ser descobertas se forem questionadas, por isso eu digo, é essencial discutir política, futebol e religião. 

Notas

* Luís Carlos Marinho Junior é geógrafo (UFMG)- Crítico de futebol e cinema em Betim - Fã de Pink Floyd - Grande apreciador de batidas de limão e apaixonado pelo Cruzeiro Esporte Clube.
ϕ

Este é o quarto texto da sessão, organizada por mim, " Quem disse que futebol, religião e política não se discute?", que conta com seis produções de amigos e amigas minhas (Matheus Rodrigues Moreira)

F de Futebol: http://npgeoh.blogspot.com/2021/03/glossario-f-de-futebol.html
B de Buteco: http://npgeoh.blogspot.com/2021/03/glossario-b-de-buteco.html
R de Religiosidade:
http://npgeoh.blogspot.com/2021/03/glossario-r-de-religiosidade.html?m=1


Comentários

Letícia Moraes disse…
Amei a reflexão, amei o texto. Saudades Mineirão e seu futebol, feira de carros, barraquinhas e calor de gente. Hoje o calor da Esplanada espanta e deixa tudo mais frio. Obrigada por compartilhar esse texto com a gente.

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