[TRAVESSIA] Um caminhante e um poeta - Conversão

 CONVERSÃO

há dias na vida em que o céu parece desabar.
o imaginário humano do paraíso acima de nossas cabeças permeia minha consciência.
ainda olho para cima em busca de respostas de algo que é maior que eu, e que não posso
atingir.
me volto aos céus e rezo em oração profana de um corpo errante.
Era quinta feira, e a neblina densa que vinha do Espinhaço descia em direção a Lapinha.
A luz do sol era difusa, em meio a suspensão líquida que cortava o céu.
Baixando, cuidadosamente, vinha encontrar o amanhecer de um novo dia nas terras
banhadas pelo córrego da Lapinha e pelo córrego do Mato Capim.
O encontro das águas.
As do céu e as da Terra.
A neblina, pura, carregando as menores das substâncias em seu corpo volátil que polula
o céu da Serra. Os córregos, correntes líquidas repletas de sedimentos de areia, argila,
silte, folhas, pisadas, corpos.
A medida que descia em direção ao chão, a neblina não invadia, mas envolvia a
paisagem.
Não se tratava de uma sobreposição, mas um encontro.
O céu se curvava para admirar o esplendor criativo da força da terra movimentada pelo
fluir ruidoso dos dois córregos.
Entre o sagrado e o profano o mistério se fundava.
Nas águas do espinhaço o dia surgia. Relutante nas rochas. Inundando os lugares.
Instituindo reinos e famílias. Gêneros de vida e resiliência nos solos litólitos dessa
grande Cadeia.
quero agora, ao rezar, não mais olhar para o alto. meus caminhos não se voltam apenas
a uma direção.
como o grande ao céu em seu movimento, também me curvarei a terra. em oração. em
prece. em procissão.
nas trilhas do Espinhaço, diante dessa imenso altar, permitir que o correr torrencial ou
volátil das águas invente mundos no dia da minha vida.

"Quando a Terra se converte num altar, a vida se transforma numa reza" ¹




¹ Frase de Padre Nunes, citado por Mia Couto em sua obra "Um rio chamado tempo, uma casa chamada Terra", na página 69, da edição de 2003.

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