[FotoGrafiar] Por uma Geografia ordinária através da arqueologia das imagens fotográficas
Criação de Valéria Amorim do Carmo
"A foto lembra, minha avó...nós morávamos em um lugar que tinha muitos pés de goiabas e ela fazia doce de goiaba é nos colhíamos as goiabas e ela fazia o doce de goiaba numa tacha como o da foto. Ficava maravilhoso. Ela sempre gostou de cozinhar no fogão á lenha e de fazer doces de mamão, goiaba, abóbora, etc. Como minha avó veio do interior e eu passei boa parte da infância com ela, nós plantávamos muita coisa e fazíamos muitos doces e outras coisas também...claro”
Por uma Geografia ordinária através da arqueologia das imagens fotográficas
Ainda
criança pequena, me vejo sentada à frente da televisão vendo as pirâmides do
Egito e a seus pés, intrépidos escavadores com seu pinceis a limparem
pacientemente os sedimentos que encobrem parte de não-sei-bem-o-que. Aquela
visão me fascinou. E, a partir, daquele momento eu sabia: quero ser arqueóloga!
Ao pensar isso em voz alta, minha mãe, que estava ao meu lado, vira em minha
direção e diz: para ser arqueóloga você vai precisar estudar história e
geografia. Como uma aluna mediana do ensino fundamental que fui, comentei: Ahhh
neimmm!!!
Mais
de 40 anos se passaram e exatamente neste momento em que me ponho a pensar
sobre a fotografia, descubro que consegui realizar aquele antigo desejo, apenas
com um formato um pouco diferente por se tratar de uma arqueologia
fenomenológica. É exatamente isso que tenho buscado fazer com a fotografia,
escavá-la pacientemente com o intuito de descobrir o que ela tem a nos dizer
enquanto potencial desveladora da geograficidade.
Penso
o ato de fotografar, que na minha forma de pensar vai além do apertar de um
botão, se assemelha ao que faz o arqueólogo exigindo inclusive, as habilidades
de um bom escavador. Fotografar é saber usar pacientemente um “pincel” para que
os sedimentos sejam retirados e o que estava encoberto possa ser desvelado. E
neste processo de escavação, é preciso pensar a fotografia tanto do lado de
quem a cria como do lado de quem a irá contemplar. E aquele que contempla uma fotografia precisa
fazê-lo pacientemente. É preciso, portanto, saboreá-la! Minha experiência com a
fotografia tem mostrado que o desvelamento vem antes e continua depois da foto
“pronta”. Como disse, é preciso usar o pincel com destreza para que o oculto se
revele.
Penso
o sentido da fotografia para além dos objetos retratados, ou seja para além de
seus referentes. Ao percorrer para além da superfície onde se mostram a
aparência das coisas, várias imagens ocultas se revelam a partir daquela que
nossos olhos inicialmente capturaram. Está no “invisível” tornado visível. Nas
palavras de Flusser
O significado da imagem
encontra-se na superfície e pode ser captado por um golpe de vista. No entanto,
tal método de deciframento produzirá apenas o significado superficial da
imagem. Quem quiser “aprofundar” o significado e restituir as dimensões
abstraídas, deve permitir à sua vista vaguear pela superfície da imagem. [...]
o vaguear pela superfície, o olhar vai estabelecendo relações temporais entre
os elementos da imagem: um elemento é visto após o outro. O vaguear do olhar é
circular: tende a voltar para contemplar elementos já vistos. Assim, o “antes”
se torna “depois”, e o “depois” se torna o “antes”. O tempo projetado pelo
olhar sobre a imagem é o eterno retorno. (FLUSSER, 1985, p.7)
Diante
disso, ressaltamos que a fotografia pode ser pensada como um convite para que,
direcionando nosso olhar para o invisível, sejamos capazes de participar de
algo estranho, inusitado, não antes pensado.
Isso
vai ao encontro, ao meu ver, do que Julia Mortimer em seu livro Arquiteturas do
Olhar, nos apresenta como a noção de contemplação visual. Esta noção de origem
Lacaniana, nos diz que nossos olhos ao contemplarem, ou seja, ao manterem uma
relação visual com as coisas, sempre permanecem insatisfeitos e não param de
buscar por aquilo que sempre se esquiva, que escorrega. Ela, a fotografia, nos
lança a uma Terra outra, desconhecida.
Resultantes da vibração entre sujeito e olhar, esses novos significados sugerem que a imagem pode mostrar algo distinto do que sua estrutura visual referencia, do que ela aparenta ser, do que está ali representado. (MORTIMER, 2017 p. 122).
E
o caminho a esta “terra outra”, revelada pela invisibilidade, nos aproxima do
que Walter Benjamin nos apresenta como inconsciente ótico convidando a
invisibilidade a fazer parte da experiência com a fotografia.
Além
das leituras que me ajudam no processo que escavação já mencionado e que me
propus a fazer, este ano de 2017 foi marcado por experiências um pouco diferentes
das que me apresentei em nosso último encontro em Limeira. Com o plano
interrompido do pós doutorado, me pus a caminho de aventuras outras que me
levaram e continuam me levando e ajudando a construir no meu pensar sobre a
linguagem fotográfica e a geografia. As experiências com a fotografia no
Instituto de Geociências e com o NPGEOH ajudaram e me inspiraram a criar o grupo
FotoGrafias, uma espécie de filhote do NPGEOH e que conta com a parceria do
GHuAPo. É um grupo ainda informal por
não estar registrado na UFMG, o que pretendo fazer brevemente. No formato de
Roda de Conversa recebemos convidados que trazem para o grupo suas experiências
com a fotografia, além de leituras e discussões feitas a partir de
documentários relacionados ao nosso tema de interesse. Nosso primeiro convidado
foi um indígena da etnia Xacriabá que trabalha com Etnofotografia e estuda/pratica
a fotografia como instrumento de luta política dentro e fora de sua comunidade.
Em um segundo momento, agora no final do mês de outubro recebemos uma aluna do
curso de Humanidades da UFVJM para conversar sobre uma Diamantina vista através
de suas janelas. Em seu trabalho, a linguagem poética tanto escrita quanto
fotografada se faz presente com muita intensidade. Para além das Rodas de
Conversa foram realizadas três oficinas sobre a fotografia: uma na UFVJM
durante a Semana de Geografia, a segunda durante a Semana de Licenciatura em
Geografia da UFMG e a terceira para os membros dos grupos FotoGrafias e NPGEOH.
Estas oficinas foram inspiradas na minha experiência durante o minicurso oferecido
no último SEGHUM sobre Educação Geográfica Humanista e Fenomenológica. Naquele
momento fiquei envolvida com uma atividade ligada à linguagem poética
trabalhando com o poeta Manoel de Barros, a fotografia e a relação desta
linguagem com nossa geosofia e o ensino-aprendizagem da Geografia.
Essas
oficinas mostraram o potencial da fotografia para nos ajudar a pensar e a
desvelar uma Geografia interior. Em um ponto alto das oficinas, entrar em
contato com as fotografias levou cada um dos oficineiros ao desvelamento de uma
geograficidade até a pouco, adormecida.
Diante
de tudo isso, sigo meu trabalho de arqueóloga com a fotografia por meio não só
das leituras, mas também e principalmente, através das experiências. Além das
atividades do FotoGrafias, existe o trabalho de alguma maneira já iniciado aqui
através da exposição de fotografias que trouxe para o evento deste ano e que
irá se estender para além das Minas Gerais chegando também até Niterói para
unir esforços e pensamentos em torno da relação entre imagem e geografia.
Referências
FLUSSER, W. Filosofia da caixa preta:
ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo: Hucitec. 1985.
MORTIMER, J. Arquiteturas do Olhar: imaginários fotográficos do espaço construído. Belo Horizonte: Editora C/Arte. 2017
Criação de Valéria Amorim do Carmo
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